O Tribunal iniciou julgamento de extradição formulada, com base em tratado bilateral, pelo Governo da Argentina contra nacional uruguaio, a fim de submetê-lo a processo judicial no qual lhe é imputada a prática dos crimes de privação de liberdade e de associação ilícita, previstos, respectivamente, nos artigos 144, alínea 1ª, e 210, ambos do Código Penal argentino. Alega o Estado requerente que, durante a denominada "Operação Condor", "identificada como uma organização terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários políticos" dos regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia nas décadas de 1970 e 1980, o extraditando, à época, Major do Exército uruguaio, teria participado de ações militares que resultaram no seqüestro de pessoas, dentre as quais um cidadão argentino, levadas a uma fábrica abandonada e lá submetidas a interrogatórios e torturas. Preliminarmente, tendo em conta a regra prevista no art. 25, II, do Tratado do MERCOSUL, que estabelece que, quando mais de um Estado requer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, tem preferência aquele em cujo território a infração foi cometida, julgou-se prejudicado outro pedido de extradição, formulado pelo Governo da República Oriental do Uruguai (Ext 1079), porquanto o desaparecimento do cidadão argentino, em 1976, imputado ao extraditando, ocorrera na Argentina.
Quanto ao mérito, o Min. Marco Aurélio, relator, indeferiu o pleito, no que foi acompanhado pelos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Eros Grau. De início, reputou prescrito o crime de associação ilícita (quadrilha) tanto pela legislação brasileira quanto pela argentina. No que se refere ao desaparecimento do cidadão argentino, em 1976, negou - ante a impossibilidade de ter-se, por ausência de ratificação, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas como a compor o ordenamento jurídico brasileiro - a aplicação do disposto no art. 7º dela constante, que prevê que o crime de desaparecimento não está sujeito à prescrição. Rejeitou, de igual modo, a alegação do Procurador-Geral da República, em seu parecer, de que a imputação feita ao extraditando, por ser enquadrável como seqüestro, não estaria prescrita, haja vista se tratar de crime permanente no Brasil e na Argentina. No ponto, asseverou que tal imputação adquiriu contornos peculiares, ficando afastada a tipologia seqüestro. Considerou que, no contexto, o vocábulo desaparecimento não corresponderia ao seqüestro previsto no art. 148 do CP ("privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado"), porque o desaparecimento forçado do cidadão argentino atribuído ao extraditando alcançaria a própria morte, ante o fim visado, qual seja, alijar pessoas que pudessem colocar em risco o regime existente. Ressaltou o relator ser sintomático que, ocorrido o aludido desaparecimento, em 1976, passados 32 anos, com mudanças substanciais de regime nos países que integrariam a "Operação Condor", não haja notícia do local em que se encontre o referido cidadão. Dessa forma, presente o sentido vernacular do vocábulo desaparecimento, entendeu não preenchido o requisito da dupla tipicidade relativamente ao disposto na legislação penal brasileira sobre o seqüestro.
Em seguida, o Min. Marco Aurélio, reportando-se aos princípios da razão suficiente, da causalidade e do determinismo, afirmou ter-se, considerada quer a legislação brasileira, quer a argentina, a morte presumida. Quanto à legislação brasileira, citou o que disposto na Lei 9.140/95, que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em virtude de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2.9.61 a 5.10.88 (art. 1º), e ainda, a previsão geral decorrente do Código Civil de 2002 no que, além do instituto da simples ausência, inseriu, no contexto, a morte presumida, quando "for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida" (art. 7º). No que tange à argentina, mencionou o art. 22 da Lei 14.394/54. Daí, para o relator, assentada a morte presumida ante os dois ordenamentos jurídicos, estar-se-ia diante da figura do homicídio, crime instantâneo, já prescrito tanto pelo direito pátrio quanto pelo argentino. Por fim, o relator, ao salientar que a extradição, presente a simetria, pressupõe, se cometido o crime no Brasil, a possibilidade de o extraditando vir a responder pelo ato em território brasileiro, entendeu que isso não ocorre, no caso, em razão da anistia verificada. Afirmou que, em última análise, o Supremo está a enfrentar, na espécie, na via indireta, a problemática relativa ao alcance da anistia, e que, na hipótese de ser deferida a extradição, assentar-se-á a viabilidade de persecução criminal, de responsabilidade administrativa e civil, no tocante a fatos por ela cobertos, o que implicará o esvaziamento de sua essência e um conflito sem limites. Quanto à tese da anistia, a Min. Cármen Lúcia fez ressalva. O Min. Ricardo Lewandowski abriu divergência e deferiu, em parte, o pedido, por considerar que o crime de seqüestro pode, em tese, ainda subsistir. Asseverou o fato de, nesses crimes de desaparecimento, muitos bebês terem sido tirados de suas mães nos cárceres e, até hoje, estarem em poder de outras famílias. Após, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.
O Tribunal retomou julgamento de extradição formulada, com base em tratado bilateral, pelo Governo da Argentina contra nacional uruguaio, a fim de submetê-lo a processo judicial no qual lhe é imputada a prática dos crimes de privação de liberdade e de associação ilícita, previstos, respectivamente, nos artigos 144, alínea 1ª, e 210, ambos do Código Penal argentino. Alega o Estado requerente que, durante a denominada “Operação Condor”, “identificada como uma organização terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários políticos” dos regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia nas décadas de 1970 e 1980, o extraditando, à época, Major do Exército uruguaio, teria participado de ações militares que resultaram no seqüestro de pessoas, dentre as quais um cidadão argentino, levadas a uma fábrica abandonada e lá submetidas a interrogatórios e torturas — v. Informativo 519. Inicialmente, o Min. Marco Aurélio, relator, esclareceu ter havido aditamento ao pedido de extradição, por ele acolhido, em que imputado ao extraditando também o crime de subtração de menor de 10 anos, previsto no art. 146 do Código Penal argentino. Esse aditamento sustenta que o extraditando teria subtraído menor de 20 dias de idade, em 13.7.76, e que o crime, permanente — cujos efeitos teriam cessado em 18.3.2002, quando o subtraído, então com 26 anos de idade, conhecera sua verdadeira identidade —, não teria prescrito. O relator — embora reconhecendo, considerada a simetria, que, se o crime tivesse sido cometido no Brasil, estaria coberto pela anistia —, asseverou que, em razão de haver uma ordem de prisão expedida contra o extraditando, mas não ter sido ele indiciado por esse crime, isso seria suficiente para se consignar a impropriedade do pleito. Além disso, realçou que o referido menor fora encontrado, em 14.7.76, próximo a um hospital, sendo, posteriormente, adotado. Tendo isso em conta, e após salientar que o delito corresponderia ao tipo previsto no art. 249 do nosso Código Penal, e que a legislação brasileira não contempla a figura da suspensão do prazo prescricional pelo fato versado na decisão de origem — ignorar o menor a verdadeira identidade —, concluiu, colocando em plano secundário a anistia, que, por se estar diante de crime instantâneo, muito embora com conseqüências que se projetam no tempo, teria incidido, segundo a lei brasileira, a prescrição da pretensão punitiva em 14.7.80. Assim, também sob esse ângulo, portanto, seria improcedente o pedido.
Prosseguindo, o Min. Cezar Peluso, em voto-vista, acompanhou a divergência, para deferir parcialmente o pedido de extradição, a fim de que o extraditando seja processado e julgado pelos delitos previstos nos artigos 144, bis, alínea 1ª, e 146, do Código Penal argentino. Entendeu não ser possível, sem encontrar correspondência no ordenamento jurídico argentino, dar pela existência de presunção de morte das inúmeras vítimas, para, desclassificando os crimes de seqüestro para os de homicídio, tirar-lhes a todos, sem discriminação alguma, a conseqüência de prescrição da pretensão punitiva. Reputou, ademais, inadmissível que a Corte subordine o deferimento da extradição a eventual concordância do Estado requerente em, afastada a prescrição, julgar o extraditando por concurso material de delito de homicídio. Ressaltou que a Lei 6.815/80 proíbe apenas que se autorize a extradição por fato que não constitua crime ou no Brasil ou no Estado requerente (art. 80), e que não é este o caso presente, haja vista que os fatos corporificam, em ambos os Estados, crimes de seqüestro. Aduziu que a reclassificação jurídica dos fatos para a categoria normativa de homicídios inovaria a própria base empírica do pedido de extradição, porque implicaria transpor, por simples exercício de conjectura, os limites da operação mental de subsunção para mudar, em conseqüência pressuposta, a situação concreta que, como objeto dos processos, motivou o pleito. Observou que diversa seria a hipótese, se a dificuldade se originasse da falta de coincidência absoluta quanto aos elementos que compõem o delito, em ambas as legislações, porquanto, nesse caso, a solução de eventuais dúvidas resultaria do confronto entre os elementos históricos e as figuras típicas. Asseverou, no entanto, que, a supor e considerar situação concreta distinta da que subjaz no pedido, a Corte estaria a violar o poder de controle limitado previsto no ordenamento e reconhecido pela jurisprudência (Ext 669/EUA, DJU de 29.3.96).
Afirmou que, de todo modo, mesmo para nós, não se estaria diante de múltiplos homicídios, cuja materialidade resultaria de presunção jurídica das mortes das vítimas. Depois de salientar a indispensabilidade do exame de corpo de delito, direto ou indireto, nas hipóteses em que a infração deixa vestígios (CPP, art. 158 c/c a alínea b do inciso III do art. 564), reputou que tal prova, que no caso não existe, não poderia ser suprida por presunção legal de morte, em face das disposições do Código Civil vigente. No ponto, registrou que, nos termos do art. 7º do atual Código Civil, não basta, para que exsurja considerável presunção legal de morte, o mero juízo de extrema probabilidade da morte de quem estava em perigo de vida (inciso I), sendo necessária a existência de sentença que, após esgotadas as buscas e averiguações, produzidas em procedimento de justificação judicial, fixe a data provável do falecimento (parágrafo único). Considerou que, na espécie, não incidiria o disposto no referido artigo, haja vista a inexistência de sentença, seja de declaração de ausência, seja de declaração de morte presumida, e que, à falta da sentença, a qual deve fixar a data provável do falecimento, bem como na carência absoluta de qualquer outro dado ou prova a respeito, não se saberia quando começaram a correr os prazos de prescrição da pretensão punitiva de cada uma das mortes imaginadas ou de todas, que poderiam dar-se em datas diversas, salvo hipótese de execução coletiva. Além disso, haver-se-ia de levar em conta o óbice intransponível de, como o impõe a lei, não estar descrito o comportamento circunstanciado do extraditando em cada ação de matar. Concluiu, assim, não haver suporte para a idéia de configuração de homicídios.
No que concerne ao aditamento formalizado no sentido de requerer que a extradição seja concedida com base na imputação do crime de seqüestro de menor de 10 anos de idade, que corresponderia ao tipo do art. 148, § 1º, IV, do Código Penal brasileiro, o Min. Cezar Peluso afastou a prescrição dessa pretensão punitiva. Citou a decisão do juiz federal argentino no sentido de que o prazo prescricional teria começado a correr a partir da data em que se comunicara oficialmente ao menor sua verdadeira identidade biológica, isto é, março de 2002, e entendeu correta a conclusão do Procurador-Geral da República quanto a não haver se falar em prescrição relativamente ao crime de seqüestro enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade, e de não se poder afirmar, no caso, que, a despeito do tempo decorrido, todas as vítimas estivessem mortas, porque seus corpos nunca foram encontrados, de modo a ainda subsistir a ação perpetrada pelo extraditando. Por fim, quanto à alegação de que o extraditando teria sido beneficiado por indulto concedido pelo Governo Argentino mediante o Decreto 1.003/89, demonstrou que esse ato normativo teria sido declarado inconstitucional, em 25.7.2006, pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, em relação ao benefício a ele proporcionado. Após o voto da Min. Cármen Lúcia, que reajustou o anteriormente proferido, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, todos acompanhando a divergência, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.
Ext 974/República Argentina, rel. Min. Marco Aurélio, 30.10.2008. (Ext-974)
Prosseguindo, o Min. Cezar Peluso, em voto-vista, acompanhou a divergência, para deferir parcialmente o pedido de extradição, a fim de que o extraditando seja processado e julgado pelos delitos previstos nos artigos 144, bis, alínea 1ª, e 146, do Código Penal argentino. Entendeu não ser possível, sem encontrar correspondência no ordenamento jurídico argentino, dar pela existência de presunção de morte das inúmeras vítimas, para, desclassificando os crimes de seqüestro para os de homicídio, tirar-lhes a todos, sem discriminação alguma, a conseqüência de prescrição da pretensão punitiva. Reputou, ademais, inadmissível que a Corte subordine o deferimento da extradição a eventual concordância do Estado requerente em, afastada a prescrição, julgar o extraditando por concurso material de delito de homicídio. Ressaltou que a Lei 6.815/80 proíbe apenas que se autorize a extradição por fato que não constitua crime ou no Brasil ou no Estado requerente (art. 80), e que não é este o caso presente, haja vista que os fatos corporificam, em ambos os Estados, crimes de seqüestro. Aduziu que a reclassificação jurídica dos fatos para a categoria normativa de homicídios inovaria a própria base empírica do pedido de extradição, porque implicaria transpor, por simples exercício de conjectura, os limites da operação mental de subsunção para mudar, em conseqüência pressuposta, a situação concreta que, como objeto dos processos, motivou o pleito. Observou que diversa seria a hipótese, se a dificuldade se originasse da falta de coincidência absoluta quanto aos elementos que compõem o delito, em ambas as legislações, porquanto, nesse caso, a solução de eventuais dúvidas resultaria do confronto entre os elementos históricos e as figuras típicas. Asseverou, no entanto, que, a supor e considerar situação concreta distinta da que subjaz no pedido, a Corte estaria a violar o poder de controle limitado previsto no ordenamento e reconhecido pela jurisprudência (Ext 669/EUA, DJU de 29.3.96).
Afirmou que, de todo modo, mesmo para nós, não se estaria diante de múltiplos homicídios, cuja materialidade resultaria de presunção jurídica das mortes das vítimas. Depois de salientar a indispensabilidade do exame de corpo de delito, direto ou indireto, nas hipóteses em que a infração deixa vestígios (CPP, art. 158 c/c a alínea b do inciso III do art. 564), reputou que tal prova, que no caso não existe, não poderia ser suprida por presunção legal de morte, em face das disposições do Código Civil vigente. No ponto, registrou que, nos termos do art. 7º do atual Código Civil, não basta, para que exsurja considerável presunção legal de morte, o mero juízo de extrema probabilidade da morte de quem estava em perigo de vida (inciso I), sendo necessária a existência de sentença que, após esgotadas as buscas e averiguações, produzidas em procedimento de justificação judicial, fixe a data provável do falecimento (parágrafo único). Considerou que, na espécie, não incidiria o disposto no referido artigo, haja vista a inexistência de sentença, seja de declaração de ausência, seja de declaração de morte presumida, e que, à falta da sentença, a qual deve fixar a data provável do falecimento, bem como na carência absoluta de qualquer outro dado ou prova a respeito, não se saberia quando começaram a correr os prazos de prescrição da pretensão punitiva de cada uma das mortes imaginadas ou de todas, que poderiam dar-se em datas diversas, salvo hipótese de execução coletiva. Além disso, haver-se-ia de levar em conta o óbice intransponível de, como o impõe a lei, não estar descrito o comportamento circunstanciado do extraditando em cada ação de matar. Concluiu, assim, não haver suporte para a idéia de configuração de homicídios.
No que concerne ao aditamento formalizado no sentido de requerer que a extradição seja concedida com base na imputação do crime de seqüestro de menor de 10 anos de idade, que corresponderia ao tipo do art. 148, § 1º, IV, do Código Penal brasileiro, o Min. Cezar Peluso afastou a prescrição dessa pretensão punitiva. Citou a decisão do juiz federal argentino no sentido de que o prazo prescricional teria começado a correr a partir da data em que se comunicara oficialmente ao menor sua verdadeira identidade biológica, isto é, março de 2002, e entendeu correta a conclusão do Procurador-Geral da República quanto a não haver se falar em prescrição relativamente ao crime de seqüestro enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade, e de não se poder afirmar, no caso, que, a despeito do tempo decorrido, todas as vítimas estivessem mortas, porque seus corpos nunca foram encontrados, de modo a ainda subsistir a ação perpetrada pelo extraditando. Por fim, quanto à alegação de que o extraditando teria sido beneficiado por indulto concedido pelo Governo Argentino mediante o Decreto 1.003/89, demonstrou que esse ato normativo teria sido declarado inconstitucional, em 25.7.2006, pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, em relação ao benefício a ele proporcionado. Após o voto da Min. Cármen Lúcia, que reajustou o anteriormente proferido, e dos votos dos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, todos acompanhando a divergência, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.
Ext 974/República Argentina, rel. Min. Marco Aurélio, 30.10.2008. (Ext-974)
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