Alguns exemplos de aplicação do princípio constitucional da dignidade humana pela jurisprudência.
"A dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado democrático de direito, ilumina a interpretação da lei ordinária." (STJ, DJU, 26 mar. 2001, HC 9.892-RJ, rel. orig. Min. Hamilton Carvalhido, rel. para ac. Min. Fontes de Alencar).
Sem embargos, a dignidade humana também é fundamento para "fornecimento compulsório de medicamentos pelo Poder Público". (STJ, DJU, 4 set. 2000, ROMS 11.183-PR, rel. Min. José Delgado).
No mesmo sentido, foi invocada para declarar a "nulidade de cláusula contratual limitadora do tempo de internação hospitalar".(TJSP, ADV, 40:636, 2001, AC 110.772-4-4-00, rel. Des. O. Breviglieri).
De igual modo, "a rejeição da prisão por dívida motivada pelo não-pagamento de juros absurdos". (STJ, DJU, 12 fev. 2001, HC 12547-DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Por fim, mas sem finalizar os inúmeros exemplos, "o levantamento do FGTS para tratamento de familiar portador de vírus HIV". (STJ, DJU, 26 jun. 2000, Resp 249026-PR, rel. Min. José Delgado).
Mas, curiosamente no tocante à sujeição do réu em ação de investigação de paternidade ao exame compulsório de DNA, há decisões em um sentido (STF, DJU, 10 nov. 1994, HC 71.373-RS, rel. Min. Marco Aurélio) e noutro (TJSP, ADV, 37:587, 2001, A 191.290-4-7-0, rel. Des. A. Germano.
“O acórdão recorrido manteve a decisão do juiz federal que declarou a incompetência da justiça federal para processar e julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo, o crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, o crime de omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social e o crime de exposição da vida e saúde de trabalhadores a perigo. No caso, entendeu-se que não se trata de crimes contra a organização do trabalho, mas contra determinados trabalhadores, o que não atrai a competência da Justiça federal. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 398.041 (rel. Min. Joaquim Barbosa, sessão de 30.11.2006), fixou a competência da Justiça federal para julgar os crimes de redução à condição análoga à de escravo, por entender ‘que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho’ (Informativo n. 450). As condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravos, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Entre os precedentes nesse sentido, refiro-me ao RE 480.138/RR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 24.04.2008; RE 508.717/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 11.04.2007.” (RE 541.627, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 14-10-08, DJE de 21-11-08)
“Ante as peculiaridades da situação dos autos, a Turma deferiu habeas corpus para que a paciente permaneça em liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Na espécie, a paciente fora presa em flagrante por portar maconha quando visitava seu marido em presídio, sendo denunciada como incursa nas sanções dos artigos 12 e 18 da Lei n. 6.368/76. Insurgia-se contra decisão que cassara o benefício de liberdade provisória a ela concedido e expedira mandado de prisão, ainda não cumprido, em seu desfavor. Inicialmente, enfatizou-se que, apesar da controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, o writ deveria ser concedido, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana, valor transformado em princípio normativo no texto da CF/88. No ponto, tendo em conta o debilitado estado de saúde da paciente – portadora do vírus HIV, o que lhe acarretara doenças como hepatite C e câncer de medula –, bem como o fato de possuir filha pequena que dela dependeria economicamente, entendeu-se estar-se diante de exceção, a qual deveria ser capturada pelo ordenamento jurídico. Asseverou-se que a regra seria no sentido do não cabimento de liberdade provisória nas hipóteses de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, contudo ela não poderia acolher as circunstâncias descritas no presente feito. Observou-se que a custódia preventiva da paciente não anteciparia a sua condenação, mas consistiria em autêntica vingança da sociedade civil, uma vez que manter enclausurada pessoa doente não restabeleceria a ordem, além de nada reparar. Desse modo, concluiu-se que submetê-la ao cárcere seria incompatível com o direito, mesmo que adequado à regra.” (HC 94.916, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 30-9-08, Informativo 522). No mesmo sentido: HC 95.790, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 7-10-08.
“O fato de o paciente estar condenado por delito tipificado como hediondo não enseja, por si só, uma proibição objetiva incondicional à concessão de prisão domiciliar, pois a dignidade da pessoa humana, especialmente a dos idosos, sempre será preponderante, dada a sua condição de princípio fundamental da República (art. 1º, inciso III, da CF/88). Por outro lado, incontroverso que essa mesma dignidade se encontrará ameaçada nas hipóteses excepcionalíssimas em que o apenado idoso estiver acometido de doença grave que exija cuidados especiais, os quais não podem ser fornecidos no local da custódia ou em estabelecimento hospitalar adequado." (HC 83.358, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 4-5-04, DJ de 4-6-04)
“Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o exame da constitucionalidade de ato normativo faz-se considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem pelo homem. O credenciamento de profissionais do volante para atuar na praça implica ato do administrador que atende às exigências próprias à permissão e que objetiva, em verdadeiro saneamento social, o endosso de lei viabilizadora da transformação, balizada no tempo, de taxistas auxiliares em permissionários.” (RE 359.444, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 24-3-04, DJ de 28-5-04)
“Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.” (HC 82.424-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-03, DJ de 19-3-04)
“O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, inciso III)." (RE 248.869, voto do Min. Maurício Corrêa, julgamento em 7-8-03, DJ de 12-3-04)
“Objeção de princípio — em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal — à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou — em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal — pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte — salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável — a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência.” (HC 79.512, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 16-12-99, DJ de 16-5-03)
“A simples referência normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete — enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva — um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo.” (HC 70.389, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-6-94, DJ de 10-8-01)
"DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de paternidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que se cuida de situação atípica na qual se pretende — de resto, apenas para obter prova de reforço — submeter ao exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria." (HC 76.060, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 31-3-98, DJ de 15-5-98)
“Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas — preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer — provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, 'debaixo e vara', para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.” (HC 71.373, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-11-94, DJ de 22-11-96)
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